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terça-feira, 26 de outubro de 2010

quando ela bate à porta

Se a poesia bater em tua porta

Não digas não!

Ela é fêmea sequiosa

quer despertar os teus sentidos

e acoplar-se à tua essência de macho



Se ela apresentar-se doce

Te enganes, não!

Ela está pronta para te invadir

Se espalhar por teus orifícios mais íntimos

E se alastrar até tua alma

te levando ao êxtase das fantasias

mais sublimes e impuras



Se ela chegar de mansinho pedindo-te aconchego

Experimente!

Ela quer deixar o seu nectar

misturar-se ao teu sabor

para transformar-se em estado puro

Coisa que não é, mas está

bem dentro de você



Aproveite!

Abra aquele canto guardado

Amoleça o corpo

Cante, dance!

Ela está aqui ao teu lado

Olhando para você

Pedindo no silêncio de fêmea

Uma brecha para escorregar

e te possuir


E, quando ela se for

tu como um desesperado

serás um eterno insatisfeito

a buscá-la em seus versos perfeitos


Mas, se ela bater em tua porta

Não digas não!

A poesia é fêmea no cio

Se chega

é porque ouviu os teus clamores de macho.


(aos meus amigos e amigas com alma de poeta)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Amor em três tons

O velho violão está lá encostado à mala. Exposto ao vento que sopra freneticamente, metendo-se entre as cordas de metais. É ele que entra brecha adentro e desata um som quase mudo (uuuuuuuuuuuuuuuu), saculejando o corpo de madeira já desbotado e seco. As janelas arquejam em repetidas batidas (tac-tac-tac...), percussivos sons que acompanham o ato. O velho violão continua lá parado, retesado ao lado da mala. Está se acostumando àquela mala, ao canto da casa, à agudeza daquele vento. Espera um toque, uma carícia mais leve em suas cordas rijas, mas o vento é abrasivo e toca-o com aspereza. O velho violão espera, assim como a mala vazia. O vento insiste, entra desatinado, arrebatador pela vias abertas. Entra e sai sem pedir licença. Derruba a mala. Afinal, já é velho conhecido dos cantos da casa, já sabe como se fazer ouvir e por isso toca tudo exigindo reverência. O mar o traz, a casa o recebe. Já faz parte daquele velho ambiente vespertino. Mas o velho violão, não! Nem a mala! Ela não estava lá, antes, naquele lugar. São visitantes! Por isso o vento toca, bate na mala e desfigura o som do velho violão. Desafina-o sem respeito, sacodindo os seus duros trastes. O velho violão se entrega e espera pelo fim do drama. Pela noite, a brisa salobra do mar invadiria o quarto. O cheiro despertaria o seu som mais belo. Ele a espera. Espera sempre por seu toque úmido, suave, escorregadio. Quanto à mala, será cheia e seguirá seu destino, se preciso for.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Poema de amigo

Um bom amigo é como um teto aquecido em tempo de frio
Um banho quente que não dá para largar
Um toque de vida para superar as enfermidades da alma

Amar é isso!
A simplicidade e a compreensão de nos aceitarmos mesmo diferentes
De nos aconchegarmos num grande abraço
Mesmo na distância

Do Pium

Escuta o som da chuva
Caindo sobre o telhado
Ele me acalma
Umedece-me a alma
Deixa-me sonolenta e relaxada

Escuta o som do vento
Uivando entre as brechas das portas e janelas
Ele faz sentir-me viva
Desperta-me!
Deixa-me atenta

Escuta o som do mar
As ondas debatendo-se nas pedras
As gotas de água
Os respingos das telhas
Que estalam, vão e voltam
Eles me recobram o lugar
Reafirmam a minha origem
De cá.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Fogo de São João

Tudo que quero é tá no meio do forró
dançar xote, xaxado e baião
roçar no cangote e zabumbar
rodando a saia um tantão

ao som do reco-reco
triângulo e acordeão
arrastar os chinelos
inté levantar
toda a poeira do chão

as brasas pipocando no ar
a fogueira esquentando o matulão
as pernas trançando inté o sol nascer
e amanhecer a noite de São João

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Uma viagem com Amelie

Pequenas coisas que nos fazem rir
Pequenas coisas que nos fazem crescer
Pequenas coisas que nos fazem viver
Mãos que tocam as letras do teclado
Dedos que escolhem o feijão
Olhos que vêem a lua
O toque do vento
O beijo na face
O abraço magrelo
Morrer é deixa de ver

sexta-feira, 21 de maio de 2010

À poetiza (Hilda Hilst)



Quando passeamos pelo desejo e pelo torpor
Pela paixão escancarada e surda
Pela necessidade de diluir-se
Faz-se a poesia

Quando visitamos a loucura cega de um amor não resolvido
A ardência da ausência vertida em louvação e danação
A chama solitária que se alimenta das estrelas e das noites lunadas

Quando um furacão de amor se levanta, esgarçando-nos
Tocando-nos com luvas de fantasias
Arrebatando-nos pela tristeza e pela emoção
De estarmos em outrem
   
Lá a encontramos
Vadia e compenetrada
Sem certezas ou júbilos
Imantada pelo canto das almas que amam

À poesia

O poeta se desmancha nas asas das palavras
Que dançam
Que se avolumam
E quase se sustentam

A poesia, essa fêmea
Se impõe
No balanço de seus vocábulos

O poeta se avexa
Se lambuza nos motes
Se acerca de fantasias e desejos
Se deslumbra, apaixonado

A poesia, nua
Exposta em suas curvas
Entranha a alma do poeta
Faz-se!
Na beleza de quem goza.